9 de ago. de 2010

PNDH-3 - união civil entre pessoas do mesmo sexo

O terceiro PNDH, instituído através do decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, faz referência, em várias passagens, ao movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), buscando, de alguma forma, introduzir ou reconhecer direitos inerentes a esse grupo.

No Eixo Orientador III (Universalizar direitos em um contexto de desigualdades), Diretriz 10 (Garantia da igualdade na diversidade), Objetivo Estratégico V (Garantia do direito à livre orientação sexual e identidade de gênero), consta, como Ação Programática, à página 98, o seguinte:

Apoiar projeto de lei que disponha sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo.

Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Justiça

Recomendação: Recomenda-se ao Poder Legislativo a aprovação de legislação que reconheça a união civil entre pessoas do mesmo sexo.

O tema do reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo, objeto desse breve artigo, está sendo, há tempos, discutido no cenário jurídico nacional e internacional.

No plano internacional, segundo Fábio de Oliveira Vargas, no artigo A proteção da união homossexual no direito internacional, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, com os mesmos moldes e efeitos que o casamento entre heterossexuais, já vem sendo permitido, por exemplo, na Holanda, Bélgica e Espanha, cabendo o registro de que, em sua maioria, é exigida a nacionalidade do país para um ou mesmo ambos os consortes.
No que toca as uniões civis entre homossexuais, que no Brasil seria semelhante ao que consideramos união estável, ou mesmo o reconhecimento das sociedades de fato (convivência more uxorio), essas são permitidas em vários países, embora com diversas conseqüências jurídicas.

No plano interno, por sua vez, devem ser citadas, em especial, as decisões do Conselho Nacional de Imigração, que concede visto temporário e permanente a casais homossexuais, e a do TSE, que declarou inelegível uma candidata que mantinha relacionamento estável com a prefeita de uma cidade do Pará.
No mesmo sentido, o INSS já aceita que parceiros do mesmo sexo sejam inscritos como dependentes de seus segurados.

Os tribunais do país se dividem no reconhecimento, ou não, da união homossexual.
Prova disso se deu no Recuso Especial 820.475-RJ, conforme noticia o Informativo 366 do Superior Tribunal de Justiça:

Em renovação de julgamento, após voto de desempate do Min. Luís Felipe Salomão, a Turma, por maioria, afastou o impedimento jurídico ao admitir a possibilidade jurídica do pedido de reconhecimento de união estável entre homossexuais.
Assim, o mérito do pedido deverá ser analisado pela primeira instância, que irá prosseguir no julgamento anteriormente extinto sem julgamento de mérito, diante do entendimento da impossibilidade do pedido.
Os Ministros Antônio de Pádua Ribeiro e Massami Uyeda votaram a favor da possibilidade jurídica do pedido por entender que a legislação brasileira não traz nenhuma proibição ao reconhecimento de união estável entre as pessoas do mesmo sexo.
Já os Ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior não reconheciam a possibilidade do pedido por entender que a CF/1988 e o CC só consideram união estável a relação entre homem e mulher com objetivo de formar entidade familiar.
REsp 820.475-RJ, Rel. originário Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Rel. para acórdão Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 2/9/2008.

No Supremo Tribunal Federal (STF), a seu turno, pende julgamento das ADPFs (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) 132 e 178, aquela proposta pelo Governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, em 27/02/2008, e essa proposta pela então Procuradora-Geral da República, Deborah Duprat, em 02/07/2009. O objetivo da ADPF 178, nos termos de notícia publicada no site do STF, é

(...) levar a Suprema Corte brasileira a declarar que é obrigatório o reconhecimento, no Brasil, da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher.
Pede, também, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis sejam estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.

(...)Na ação, a PGR sustenta que a união entre pessoas do mesmo sexo "é, hoje, uma realidade fática inegável, no mundo e no Brasil".
E lembra que, em sintonia com essa realidade, muitos países vêm estabelecendo formas diversas de reconhecimento e proteção dessas relações.

"A premissa destas iniciativas é a idéia de que os homossexuais devem ser tratados com o mesmo respeito e consideração que os demais cidadãos e que a recusa estatal ao reconhecimento das suas uniões implica não só privá-los de uma série de direitos importantíssimos de conteúdo patrimonial e extrapatrimonial, como também importa em menosprezo da sua própria identidade e dignidade", sustenta a procuradora-geral.

Ela defende a tese de que "se deve extrair diretamente da Constituição de 88, notadamente dos princípios da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III), da igualdade (artigo 5º, caput), da vedação de discriminações odiosas (artigo 3º, inciso IV), da liberdade (artigo 5º, caput) e da proteção à segurança jurídica, a obrigatoriedade do reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar".

[http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=110522&tip=UN]

Quanto à ADPF 132, também noticiou o STF trechos do parecer emitido pela aludida procuradora-geral:

No parecer, Deborah Duprat afirma que "as religiões que se opõem à legalização da união entre pessoas do mesmo sexo têm todo o direito de não abençoarem estes laços afetivos", mas que o Estado "não pode basear-se no discurso religioso para o exercício do seu poder temporal, sob pena de grave afronta à Constituição".

Ela rechaça argumentos que classificam a homossexualidade como um "desvio que deve ser evitado" e afirma que esse tipo de discurso "é francamente incompatível com o princípio da isonomia e parte de uma pré-compreensão preconceituosa e intolerante, que não encontra qualquer fundamento na Constituição de 88".

Ainda segundo Duprat, "o reconhecimento jurídico da união entre pessoas do mesmo sexo não enfraquece a família, mas antes a fortalece, ao proporcionar às relações estáveis afetivas mantidas por homossexuais - que são autênticas famílias, do ponto de vista ontológico - a tutela legal de que são merecedoras".

[http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=110623&tip=UN]

Sob o ponto de vista legislativo, impende destacar o disposto na Constituição da República de 1988, no art. 226, §3º - "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento" -, bem como o que consta no caput do art. 1.723 do Código Civil de 2002 ( Lei nº 10.406/02) - "É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". No que concerne ao casamento, o mesmo Código Civil traz, no art. 1.514, que "O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados."

Cabe-nos, ainda, citar o Projeto de Lei nº 674, de 2007, que tem por objetivo regulamentar o já citado art. 226, §3º, da CRFB/88, de autoria do Deputado Cândido Vaccarezza, e visa reunir, numa só proposição, vários outros projetos com o mesmo assunto.
Por isso, tem como apenso o Projeto de Lei nº 2.285/2007, de autoria do Deputado Sérgio Barradas Carneiro, que dispõe sobre o Estatuto das Famílias.
E aludido Estatuto tem, no art. 68, a seguinte redação:

É reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas de mesmo sexo, que mantenham convivência pública, contínua, duradoura, com objetivo de constituição de família, aplicando-se, no que couber, as regras concernentes à união estável.

Parágrafo único. Dentre os direitos assegurados, incluem-se:

I - guarda e convivência com os filhos;

II - a adoção de filhos;

III - direito previdenciário;

IV - direito à herança.

Por sua vez, a Bíblia Sagrada assim trata a homossexualidade:

Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em injustiça.

Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou.

Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis;

Porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu.

Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos.

E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis.

Por isso também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si;

Pois mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente.
Amém.

Por isso Deus os abandonou às paixões infames.
Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza.

E, semelhantemente, também os homens, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, homens com homens, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro.

E, como eles não se importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm;

Estando cheios de toda a iniqüidade, prostituição, malícia, avareza, maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, engano, malignidade;

Sendo murmuradores, detratores, aborrecedores de Deus, injuriadores, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais e às mães;

Néscios, infiéis nos contratos, sem afeição natural, irreconciliáveis, sem misericórdia;

Os quais, conhecendo a justiça de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam), não somente as fazem, mas também consentem aos que as fazem.

(ARC, Romanos 1.18-32)

e Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus.

(ARC, 1 Coríntios 6.10)

Feitos esses destaques, ao contrário do que pensa a Dra. Deborah Duprat, a discordância da união civil entre pessoas do mesmo sexo não é uma questão puramente religiosa.

De fato, como cristãos e concordes com a Bíblia Sagrada, nossa regra de fé e prática, abominamos o pecado da homossexualidade, assim como, por exemplo, os da corrupção e mentira; contudo, em Cristo, amamos aqueles que os praticam.
Discordamos das práticas, mas amamos os praticantes.

Mas, além disso, temos que considerar que a Constituição da República, quando trata da união estável, deixa clara a necessidade da diversidade de sexo entre os contraentes.
Os princípios constitucionais alegados para o deferimento da união homossexual (entre outros, dignidade da pessoa humana e igualdade) não podem fazer eliminar os requisitos constitucionalmente declinados para um instituto. Se assim fosse, teríamos a ocorrência de inconstitucionalidade originária, o que é descabido dada a unidade da Constituição, conforme interpretação corrente da doutrina e do próprio STF.

Assim, somos, para o momento, pela impossibilidade jurídica do reconhecimento de união civil homossexual, quadro que pode ser alterado apenas através de emenda ao texto constitucional.

Por fim, anotamos que a concessão de direitos ao casamento ou união estável para os homossexuais, por conta da liberdade e satisfação que querem alcançar, não deve prosperar.
Do contrário, nos próximos anos deveremos também permitir o casamento de um homem com uma pomba, ou de uma mulher com um rato, tudo em perfeita consideração à liberdade.
Freemos na concessão de tais "direitos", sob pena de, amanhã, instaurar-se a cultura social da liberdade desregrada.
A
ntonio Carlos da Rosa Silva Juniortem 26 anos, é casado e pai de uma bebê.
Bacharel em Direito e Bacharelando em Ciências Humanas pela UFJF, Especialista em Ciências Penais, Pós-graduando em Direito e Relações Familiares e Professor-convidado de Direito e Religião na FATEB/JF

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