É deveras curioso como é possível notar, em alguns grupos religiosos heterodoxos, títulos copiosamente ortodoxos.
Um dos exemplos mais contundentes dessa observação encontra-se na pseudo-igreja cristã mórmon, cujo nome reclama sublimes conceitos bíblicos:
“Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias”.
Uma nomenclatura bíblica adequada a qualquer denominação genuinamente protestante, evangélica.
Contudo, há outros exemplos dessa mesma ocorrência e propomos fixar a nossa reflexão naquele que é reivindicado pelo catolicismo:
“Igreja Católica Apostólica Romana”, a fim de ponderar que é possível que assumamos a posição de evangélicos, apostólicos e católicos.
Expomos, sem pretensões acadêmicas, as implicações dos três termos:
Evangélico (do grego euangelion)
Segundo Tyndale, “evangelho” significa “notícias boas, alegres, felizes e jubilosas, que enchem de gozo o coração humano, levando a pessoa a cantar, dançar e pular de alegria”.
No contexto bíblico, o termo “evangélico” aplica-se à divulgação da obra redentora de Cristo em prol do homem condenado pelo pecado.
Logo, “ser evangélico”, num âmbito passivo, significa abraçar o evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo.
Mas não somente isso, porque, num âmbito ativo, remete também ao compromisso irrestrito de compartilhá-lo com ímpeto às demais pessoas.
É, portanto, amar o próximo com tal intensidade que este sentimento chega a mobilizar o crente a tão honrosa tarefa.
Nesta linha de raciocínio, é praticamente inconcebível admitir um evangélico apático para com o evangelismo.
Será que podemos testemunhar que somos evangélicos nos sentidos passivo e ativo do termo?
Apostólico (do grego apostellein: apóstolo)
O catolicismo lança mão desse conceito reportando-se à autoridade da Igreja Romana mediante a suposta “ininterrupta sucessão apostólica”, por meio dos papas.
Todavia, no contexto bíblico, em seu sentido mais restrito, a palavra grega assinala a comissão ordenada por Cristo.
O apóstolo é alguém enviado com a missão específica de pregar o evangelho e que age com plena autoridade em favor de quem o enviou, prestando-lhe satisfações.
O adjetivo “apostólico” pode também apontar para as doutrinas oriundas dos apóstolos.
Portanto, parafraseando o missionário Silas Tostes, numa primeira instância, somos uma Igreja apostólica na medida em que nos tornamos uma Igreja missionária.
E, numa segunda instância, na medida em que nos esforçamos na permanência das práticas e doutrinas alicerçadas pelos doze apóstolos, primando e zelando pelo ensinamento fiel de suas exposições.
Logo, ser um crente evangélico é, necessariamente, fazer parte de uma Igreja (mística) apostólica.
Será que podemos testemunhar que somos apostólicos nas duas instâncias do termo?
Católico (do grego katholikos)
Esse termo tem sido empregado com variedade de sentidos ao longo da história da Igreja.
Resta-nos saber em qual de seus sentidos os Evangélicos podem se reconhecer.
No início do período patrístico, tinha o sentido de “universal”:
“Em qualquer lugar que Jesus Cristo estiver, ali estará a Igreja universal” (Inácio).
Justino Mártir falou da “ressurreição católica”, que explicou como sendo a ressurreição de todos os homens (Diálogos LXXXI).
A expressão ainda consta do Credo Niceno:
“Cremos na Igreja una, santa, católica e apostólica”.
E, no Credo dos apóstolos, lemos:
“Creio no Espírito Santo, na santa Igreja católica”.
Nestas citações, o adjetivo “católica”, atribuído à Igreja, está relacionado à sua universalidade, ao mesmo tempo em que afirma sua unidade, a despeito de sua ampla difusão.
As epístolas católicas (universais) que constam do Novo Testamento foram classificadas, por Orígenes e Eusébio, como sendo escritas para a edificação de todas as igrejas cristãs.
Um outro significado emergiu a partir do século 2o, com o surgimento das heresias. E, nesse período, “católico” passou a ser sinônimo de “ortodoxo”, como se registrou, posteriormente, no início e encerramento do Credo de Atanásio:
“E a fé católica é esta: que adoremos um Deus na Trindade e a Trindade na unidade Esta é a fé católica, a qual pode salvar o homem”.
Foi somente nos tempos da Reforma Protestante que a palavra tomou seu sentido atual, em referência aos grupos eclesiásticos subordinados ao papado em contraste com aqueles que se identificaram com a causa protestante.
Por conseguinte, diante da ambivalência de significados absorvidos pela classificação “católico”, é legítimo assumir que, mesmo os evangélicos, são “católicos”, nos moldes segundo os quais o termo fora empregado no início do desenvolvimento da Igreja primitiva.
Com todas as ressalvas necessárias, somos, portanto, evangélicos, apostólicos e católicos, somente não somos romanos, porque entendemos não haver base bíblica para nos submetermos ao poder eclesiástico centralizador de Roma.
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