Uma parte da sociedade brasileira, incluindo parte da comunidade judaica, desconhece tudo ou quase tudo sobre os marranos.
A outra parte tem conhecimentos superficiais, não muito precisos historicamente.
É comum, por exemplo, ouvir essas pessoas comentando que marranos eram os judeus portugueses que mudaram seus nomes hebraicos para portugueses, geralmente de plantas e animais.
Embora isso de fato tenha ocorrido como evidenciam alguns Oliveira, Pereira, Carneiro e Lobo, não só nomes identificados com a fauna e a flora foram usados por aqueles judeus.
O universo de nomes portugueses adotados pelos marranos engloba praticamente todos os nomes próprios usados pelos lusitanos, conforme constatamos em Raízes Judaicas no Brasil, de Flávio Mendes Carvalho.
Aos interessados no assunto recomendo meu livro Os Marranos e a Diáspora Sefardita.
Outro erro freqüente entre os que têm noções sobre os marranos é relacionar a designação com "porcos" da língua espanhola.
De fato, a tradução literal é coincidente, mas o termo "marrano" é muito mais transcendente, segundo explicações de especialistas como David Gonzalo Maeso
("A respeito da etimologia do vocábulo marrano", em Os Marranos, coletânea organizada por Nachman Falbel e Jacó Guinsburg)
e Elias Lipiner (Santa Inquisição: Terror e Linguagem).
Com base nestes estudos, semanticamente é mais correto e espiritualmente mais justo, entender o termo marrano como a junção das palavras hebraicas mar (amargo) e anussim (forçados).
Isto é:
os forçados amargamente a deixar o judaísmo.
Nesse ponto, o da religiosidade, há ainda aqueles que dizem que os marranos traíram o judaísmo para usufruir a vantagem de uma cômoda conversão ao catolicismo.
Qual a vantagem, pergunto?
A aparente vantagem era enganosa, e aqueles judeus sabiam e sentiam na pele que ao aceitar a religião imposta, aceitavam também ser julgados como hereges cristãos ao praticar ritos judaicos clandestinamente.
Então, uns poucos privilegiados
(e mesmo assim necessitando de muita sorte)
conseguiam sair de Portugal rumo à Holanda, Turquia, Marrocos, Brasil.
Outros realmente optavam por morrer queimados gritando o Shemá Israel!
E não foram poucos.
Os inquisidores, percebendo que a armadilha da conversão não atraía o número esperado de judeus que seriam logo acusados e condenados sumariamente, enquanto seus bens iam para a Igreja, trataram de fazer a Inquisição funcionar a pleno vapor. A metáfora lembra de perto os campos de extermínio nazistas.
Entrava em cena a "Fábrica de judeus", expressão criada pelo dominicano e deputado da Inquisição, Domingos de São Tomás (1640-1670).
Com isso, desde o final do século 15, milhares de judeus foram oficialmente tornados cristãos em Portugal, por decreto.
Nessa situação, não havia a opção nem de sair do país, nem de morrer na fogueira. Muitos se suicidaram!
não concordamos com um suicídio coletivo.
Nem a Torá concorda!
Quando Moshe Maimon respondeu aos judeus iemenitas no século 12, recomendou que aceitassem o Islão em vez do suicídio coletivo.
Em sua sabedoria, Maimon intuía que a história faria justiça aos descendentes daqueles judeus do Iêmen que foram obrigados a deixar sua fé mosaica.
A história também faria justiça aos marranos.
Quem acha que os marranos traíram o judaísmo por conveniência, comete duplo erro: histórico e moral.
Os marranos não tiveram opção.
Nem o suicídio era opção.
Torturados física e psicologicamente, mães assistiam, inertes, a seus filhos serem raptados pela Igreja para serem criados em lares católicos, enquanto outras crianças judias eram abandonadas na ilha africana de São Tomé para serem devoradas pelos animais.
Pergunto de novo:
Qual a vantagem do judeu se tornar cristão nessa sociedade?
Por último, o grande erro de muita gente é dizer que a Inquisição aconteceu "Há tanto tempo" que nenhum descendente daqueles judeus poderia reivindicar seu direito de pertencer ao povo de Israel hoje.
A história tem seu curso natural e não se apavora com 500 anos.
Os marranos brasileiros da atualidade que, por convicção própria, desejam retornar ao judaísmo devem ser acolhidos de braços abertos pela comunidade organizada.
A bem da verdade, as conversões forçadas em Portugal e Espanha se intensificaram há 500 anos.
A Inquisição só parou de perseguir os judeus nas primeiras décadas do século passado. Visto assim, a história é bem mais recente.
O trabalho por nós desenvolvido, no sentido de recuperar a herança judaico-marrana no Brasil, tem encontrado muita receptividade em pessoas apaixonadas pelo judaísmo, pelo Estado de Israel, pela cultura judaica, e que desejam sinceramente fazer o caminho de volta, teshuvá.
Felizmente, a receptividade por parte de rabinos, intelectuais e lideranças comunitárias judaicas tem sido muito favorável para receber e integrar comunitariamente também esses Filhos da Aliança.
Notas:
1) Ed. Nova Arcádia, São Paulo, 1992.
2) Ed. Capital Sefarad, São Paulo, 1995.
3) "Ouve ó Israel!", uma das principais orações da liturgia judaica, que reafirma a unicidade de Deus.
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